Em memória de Maria Custódia e de Rui Bento (mãe e filho, minha mãe e irmão)
Entrei de férias logo no início do mês de Dezembro, eram os últimos 15 dias de férias do ano e tive como meta ir visitar todos os dias o meu irmão Rui. Sentia que ele estava perto de partir a qualquer momento e queria estar por perto mais vezes.
Então logo na segunda feira e todos os dias até Quinta fui a casa dele por volta das 11h, estive mais ou menos uma hora e depois passei em casa da minha mãe para uma visita rápida antes de voltar para casa para fazer o almoço. Na sexta-feira estava de chuva e caía até pedraço, a Natália, a mulher do meu irmão, tinha dito para não ir, então decidi que iria só de tarde. Mas eram 13h15m quando começo a receber chamadas do telemóvel da minha mãe... eu coloquei ocupado pois estava com uma chamada em linha, mas as chamadas insistiam e assim que pude retomei a chamada; era o David a dizer que a minha mãe estava caída em casa... fui logo a correr, ela estava caída no chão da cozinha em frente à casa de banho. Ela gemia e eu senti que era de medo, muito medo! Eu disse: "mãezinha não tenha medo, você não está sozinha!"
Foi o meu irmão Paulo que a encontrou quando foi almoçar, pois era costume ele ir almoçar a casa dela, ele já tinha chamado a ambulância. Estava lá o David, o meu sobrinho filho da minha irmã Lurdes. Ele disse que era melhor não a levantarmos, porque seria perigoso se ela tivesse algo partido.
Mãezinha querida, foi tão doloroso vê-la assim!
Fui a correr num instante a minha casa para mudar de roupa e acompanhá-la de carro atrás da ambulância, que entretanto quanto voltei a casa da minha mãe, a ambulância já tinha chegado, e eu ainda fui a tempo de ver os bombeiros colocarem a minha mãe na maca. Mais uma vez vi o olhar da minha querida mãe quando estava na maca e era um olhar de muito medo, ela estava apavorada! Naquele momento surgiu-me este pensamento (agora sei que era o pensamento dela captado por mim): nunca mais vou voltar a esta casa nem ver os meus filhos. 😥
Os bombeiros disseram que suspeitavam que ela tivesse sofrido um avc, porque não conseguia mexer o braço esquerdo e nem a perna esquerda.
Entretanto as minhas irmãs, a Lurdes e a Bete chegaram também e a Lurdes foi comigo no meu carro atrás da ambulância. Mas não consegui acompanhar a ambulância na auto estrada e quando chegámos ao hospital a minha mãe já estava a ser assistida e não nos deixaram entrar. Entretanto precisei de ir à casa de banho e quando voltei a Lurdes já tinha ido falar com a médica que a assistia, pois era necessário que ela lhe desse informações clinicas sobre a nossa mãe. A Lurdes ficou lá dentro e eu esperei por notícias quase três horas na rua. Fazia muito frio e por causa do covid o segurança não me deixou estar na sala de espera.
Eram 18h mais ou menos quando a Lurdes me chamou dizendo que podia ir ver a mãe. Fomos as duas e a enfermeira que lá estava disse: "podem ficar as duas, dada a situação..."
Eu e a Lurdes soubémos assim que a situação era muito grave e que se confirmava ter sido um avc. A enfermeira disse que o avc já lhe tinha afetado gravemente o cérebro.
A minha mãe estava lá numa cama da urgência; ela estava a dormir de forma agitada, não sei se chegou a saber que eu e a Lurdes estávamos lá. A Lurdes acha que sim, porque quando esteve sozinha com ela antes de eu poder entrar disse-lhe: "mãe se me está a ouvir mexa a mão" e ela diz que a mãe ficou agitada e pareceu querer chorar.
Estivémos com a nossa mãe até às 21h, ninguém nos mandava embora, deduzimos logo que era porque sabiam que ela estava a morrer... foi desolador ir embora, eu e a Lurdes fomos com a sensação que não a iríamos voltar a ver viva! Minha querida e adorada mãe, foram os últimos momentos que passámos consigo!
A minha mãe faleceu no Domingo às 11h e por volta dessa hora eu estava na capela a rezar por ela; emocionadamente estava a pedir a Nossa Senhora que a acolhesse nos seus braços e para que acontecesse o que fosse melhor para ela! Senti uma conexão muito forte naquele momento, senti que a minha oração estava a ser atendida!
No velório antes da hora do enterro a mulher do Rui e os filhos; a Natália, o Leonardo, o Alexandre e o Tiago, levaram o meu irmão para ver a mãe e despedir-se dela. Vi o Leonardo e o Alexandre a levantarem-no da cadeira de rodas para ver a mãe no caixão. Foi muito doloroso ver a dificuldade em que o meu irmão já se encontrava; naquele momento veio-me o triste pressentimento de que em breve seria ele a estar no caixão... foi muito duro e triste!
Nessa semana a seguir ao enterro fui todos os dias rezar o terço na capela sentada exatamente no mesmo sítio em que a minha mãe costumava rezar... tinha estado com ela nesse mesmo banco apenas dois dias antes de ela ter o avc! Em memória dela passei a gostar de rezar o terço e faço-o sempre que posso, agora sempre com a minha mãe na mente e no coração.
A minha mãe andava muito triste e emocionalmente muito em baixo. Ela não estava a aguentar a tristeza da doença do Rui e do divórcio do Paulo. Estava a ser uma prova muito dura para ela ver os filhos rapazes a sofrerem tanto. Talvez no intimo ela tivesse escolhido partir primeiro que o Rui e talvez, mesmo sem ela o saber de forma consciente, ela tivesse decidido que o Paulo precisava de ficar sem a mãe. Como saber? Fica a percepção de que para Deus nada é em vão e nada acontece por acaso. Na vida devemos absorver as lições que precisamos aprender, por mais dolorosas que elas possam ser.
Esta também acabou por ser a última semana do meu irmão Rui. Visitei-o pela última vez na quinta-feira. Ele já estava a sofrer tanto com a doença... ao ir-me embora dei-lhe um beijinho e disse: "amo-te muito meu irmão"
Ele respondeu como sempre:
"E eu a ti"
Foi a última vez que o vi vivo!
No Domingo, uma semana depois da morte de minha mãe, a Natália, o Leonardo e o Tiago foram deitar o Rui na cama para dormir uma sesta, deram-lhe um beijinho com um: "gosto muito de ti", ele adormeceu e faleceu enquanto dormia... ele partiu em paz depois de receber o carinho e o amor da mulher e dos filhos!
Eu e as minhas irmãs; a Lia e a Lurdes, o nosso irmão Paulo e a Inês, a minha sobrinha filha da Lurdes, estávamos em casa da nossa mãe a ver as roupas que devíamos doar ou colocar no ecoponto. Depois de selecionarmos algumas roupas, demos por terminada a tarefa por aquele dia. As minhas irmãs, o meu irmão Paulo e a Inês decidiram ir visitar o Rui e eu fui levar as roupas que tínhamos selecionado ao ecoponto da Gançaria. Estava ainda a colocar as roupas no contentor quando o Olavo, o meu filho, me telefonou a dizer que a Natália tinha ligado ao Mário, o meu marido, para ele ir lá depressa.
Fui o mais rápido que consegui até casa do Rui e da Natália e quando cheguei já estava lá a ambulância... eu entrei em desespero e tristeza profunda, pois sabia que o meu irmão estava a partir...
Em pouco tempo chegaram muitas pessoas para o ver e dar o apoio à familia. Como era Domingo, já era hábito ele ter muitas visitas. Assim uns chegaram porque já estavam para o visitar e outros porque souberam o que tinha acontecido.
A Natália, disse-me mais tarde que quando a Inês chegou para o visitar, foi ao quarto para acordar o Rui e dizer-lhe que tinha visitas, então nesse momento viu que ele estava sem sinal de vida. A Natália soube naquele momento que ele já tinha partido. Mas a Inês achou que deviam chamar a ambulância para os paramédicos tentarem fazer a reanimação. Foi nesse tempo até os paramédicos chegarem que o Mário e o Marco, irmãos da Natália, tentaram fazer a reanimação. Tudo foi feito para o reanimar, mas o Rui já tinha partido...
O meu irmão partiu mas nunca esteve só, teve sempre a família que tanto o ama por perto. A Natália e os filhos cuidaram muito bem dele até ao fim e não permitiram que ele morresse num hospital sozinho e com a família longe.
Desde que ele foi diagnosticado com um tumor cerebral que eu tentei visitá-lo com mais frequência, e assim ia pelo menos uma vez por semana a casa dele.
O tumor do Rui foi diagnosticado no primeiro dia do ano de 2020 e os médicos nunca lhe deram esperança. Disseram sempre que era inóperavel e que era um tumor muito agressivo. Nós fomos vendo ao longo do ano a doença ir debilitando o Rui a cada semana. Que prova tão dura foi para todos nós, mas principalmente para ele que já partiu e para a Natália e os filhos...
Desde crianças que desejava muito que os meus irmãos, o Rui e o Paulo, gostassem de mim. Eu achava que eles não gostavam e sofri muito por causa disso. Se pelo menos eu soubesse o que sei hoje, eu não teria sofrido tanto... é claro que eles gostavam de mim do seu jeito! Éramos crianças e eu na época era muito melindrosa. Os meus irmãos adoravam divertir-se com a minha vulnerabilidade, eram apenas brincadeiras de crianças, mas eu era como uma louça de porcelana... acabámos por crescer e seguir as nossas vidas de adultos não cultivando muito a nossa relação de irmãos.
Mas irónicamente eu e o Rui casámos com dois irmãos, a Natália e o Mário. Então, sempre estivémos nas festas de ambas as famílias e eu gostava de ter o Rui por perto, era uma presença aconchegante e familiar em todas as festas apesar de quase sempre estarmos calados. Não dizíamos quase nada, mas sentíamos muito!
Tenho tido uma relação boa com as minhas irmãs; a Lurdes, a Bete e a Lia, mas com os meus irmãos foi mais difícil, o facto de eles serem rapazes e ambos muito calados dificultou muito a nossa interação e depois também tínhamos as marcas da nossa infância... Mesmo assim eu sei que o amor sempre esteve presente em todos nós.
Então, eu tentei aproximar-me do Rui. Sinto que de alguma forma consegui. No verão, quando ele ainda se conseguia movimentar passei com ele um momento que irá para sempre ficar no meu coração; fui visitá-lo como sempre fazia e quando cheguei a casa dele, ele estava na rua a apanhar ameixas numa ameixegueira ao lado da casa. Quando cheguei eu disse: "olha quem está aqui fora... que bom que estás aqui!"
Passámos um momento muito agradável sentados num banco da rua e conversámos. Eu disse-lhe que queria aproximar-me dele, que queria ser sua amiga. O Rui era muito calado, mas às vezes falava de uma forma espontânea, e então disse: "antes que eu morra não é?". Ele tinha um bom coração, era integro e muito honesto. Não conseguimos conversar muito daí para a frente, mas no meu íntimo sinto que nos aproximámos bastante. Quando o ia visitar mais para o fim da vida dele, sentia sempre que apesar de não falarmos muito estávamos unidos no amor e na admiração mútua.
Meu querido irmão estarás para sempre no meu coração!
Construiste uma família linda com a Natália e também nos escuteiros onde tantos te amaram! Como eu gostava de ter conhecido melhor essa tua faceta de escuteiro!
O funeral teve tanta gente apesar das normas de segurança por causa do covid! Foram tantos os escuteiros que comparecerem das Alcobertas e da Gançaria, eles fizeram largada de balões para oferecer ao Rui em última homenagem. O padre fez uma homilia muito bonita, entre outras coisas ele disse: " o Rui esteve na missa à cerca de dois meses, eu falei com ele e o Rui disse: sabe padre, eu vou morrer e cá para mim não chego ao fim do ano, mas tudo já está arranjado".
Eu chorei tanto de emoção! O meu irmão era um homem bom!
As pessoas caladas são por vezes mal interpretadas e até ignoradas, mas só um coração sensível consegue ver outro coração sensível.
E o Rui era assim... um homem sensível e com um bom coração!
Nas nossas vidas fica um vazio enorme com a vossa falta, mas fica a certeza de que agora vocês estão juntos na paz e alegria de Deus!
Estes foram tempos muito dolorosos e difíceis para todos nós a família e amigos, mas sabendo que a morte não existe, que ela é apenas uma ponte para a outra vida, fica a certeza de que nos voltaremos a ver.
Tudo o que tenho lido sobre a vida e a morte. Sobre espiritualidade e o aprofundamento da mensagem de Jesus Cristo, assim como a mensagem de outros grandes mestres tem sido um grande apoio para ter vivido estes momentos com serenidade... triste, mas com a paz necessária de quem sabe que a morte não é o fim, mas sim o início de uma nova jornada!
Até um dia Rui, até um dia mãe, amo-vos muito para todo o sempre!
Célia Marques 10/01/2021
[Meu irmão e minha mãe nasceram no mesmo dia e partiram deste mundo apenas com uma semana de diferença. São muitas as saudades que deixam, é imensa a dor que fica nos nossos corações pela partida física... mas eles não morreram, o nosso corpo é apenas uma roupa para o espírito! Nós não somos o nosso corpo, não somos os rótulos com os quais nos identificamos muitas vezes. Nós somos luz, nós somos consciência, nós somos puro amor! Agradeço de coração a todas as pessoas que me enviaram palavras de conforto nestas horas difíceis!
A minha mãe partiu primeiro para receber o meu irmão lá no céu uma semana depois. Nada acontece por acaso e a vida dá-nos tantos sinais todos os dias, cabe a nós estarmos atentos... gratidão a todos pela força! 💗🙏🙌💖]
"Pensar que este mundo físico é tudo o que importa é como se trancar num pequeno quarto e imaginar que não há nada fora dele."
(Dr. Eban Al, uma prova do céu)
"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace."
(Victor Hugo)
{este texto foi publicado no Facebook logo após o funeral do Rui}
MÃE E RUI
Descansem em paz
Minha mãe e meu irmão
Escrevo estas palavras
Em forma de oração
O amor é ainda mais forte
Ultrapassa qualquer dimensão
Não há nada, nem sequer a morte
Que vos tire do meu coração
Eu sei que só existe vida
Em abundância, disse o mestre Jesus
Acredito muito nas palavras
Que Ele disse antes da cruz
Brilha em nós a luz mais pura
Caminhamos para a eternidade
Um dia todos iremos nos juntar
A Deus na perfeita Unidade
(Autor do poema: Célia Marques)
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