Um passeio à feira
Maria aos 17 anos |
Há muitos anos numa aldeia situada na bonita serra dos Candeeiros, havia uma rapariga chamada Maria que decidiu ir passear à feira com a amiga Carminda. Saíram com o burrico bem cedo, num lindo dia de verão, pois os dias são mais compridos e elas ainda precisavam regressar no mesmo dia a casa. Seguiram pelo carreiro que subia a serra que já estava bem marcado pelos pastores de cabras e pelas muitas viagens feitas por todos da aldeia para irem à feira da Benedita que ficava no outro lado da serra. Esta era a chamada feira dos seis e era muito conhecida e frequentada por todos na região. As pessoas transportavam os animais no carro das vacas para comprar e vender os animais de criação. Maria gostava muito e de toda aquela animação de compra e venda de burros, vacas, galinhas, porcos, ovelhas, cabras e também de ver as bancas de roupa em segunda mão e de bonitos tecidos. Vendia-se também na feira materiais para a agricultura e para trabalhar a pedra nas muitas pedreiras que começavam a aparecer naquela época. Ela adorava ir à feira com os pais, mas naquele dia ela decidiu que já era crescida e podia ir só na companhia da amiga. Era uma experiência nova que tinha um gosto de aventura e liberdade, que já dominava a rebeldia dos seus quinze anos. Quando Maria saiu para ir ao encontro da amiga a mãe disse-lhe:
“Maria, não te esqueças de comprar uma foice e vê lá por quanto estão a comprar os bezerros, a vaca está breve a parir e precisamos de vender o bezerro. E cuidado para não atravessares a serra de noite quando voltares!” Disse-lhe a mãe quando ela já estava a virar a esquina.
“Sim mãe não se preocupe!” Gritou Maria que já seguia com o burrico em direção ao caminho que combinara encontrar-se com a amiga Carminda.
A casa onde Maria vivia com os pais e o irmão era pequenina e toda feita de pedra, era rebocada e pintada com cal. Tinha apenas dois quartos, uma sala e uma cozinha com uma lareira e um forno a lenha, onde a mãe cozinhava a comida na fogueira numa panela de ferro e onde cozia o pão. Tinha também dois currais para os porcos, um curral para as vacas e para o burro e um palheiro. Mais tarde o pai construiu uma ‘casa do forno’ nova, porque o forno da cozinha não cozia bem o pão. Na parte de trás da casa havia uma eira onde se malhava as maçarocas para retirar o milho que se vendia depois ao moleiro, para fazer a farinha nos moinhos da aldeia e arredores. O pai de Maria plantou perto da eira três figueiras que já começavam a dar bons figos e também construiu uma cisterna para armazenar a água das chuvas, mas quando ficava muito tempo sem chover a cisterna ficava sem água e ela tinha que ajudar a mãe a lavar a roupa no barreiro, onde havia uma pequena nascente de água, e onde as mulheres costumavam ir para lavar a roupa. Esta nascente também secava no verão e então precisavam de ir buscar água com umas tinas à nascente do Olho-de-Água. Os homens desciam pelo vale do barco com o carro das vacas até encontrarem a bela nascente onde as pessoas de todas as aldeias vizinhas se abasteciam de água quando ela escasseava no verão.
Naquele tempo não havia o progresso nem a tecnologia que há hoje, mas as pessoas viviam felizes com as suas vidas simples, fazendo do desfolhar do milho uma festa, e sempre que se juntavam no campo para ceifar ou cavar não perdiam a oportunidade de brincar e rir à gargalhada. Não se sente falta daquilo que não se conhece e as pessoas eram felizes assim! Levavam a palha e a erva no carro de vacas para armazenar nos palheiros e alimentar os animais do curral. Também usavam as vacas para lavrar a terra com a charrua e fazer as sementeiras da aveia, do milho e do trigo. Mas para semear as batatas precisavam cavar a terra com a força dos próprios braços! Estas eram algumas das tarefas que Maria e Carminda estavam habituadas a fazer.
Aquele também foi o tempo em que empreendedores da aldeia se aventuravam com as duas primeiras pedreiras num local chamado ‘Vale da Pia’ e davam assim trabalho a alguns homens para ganharem a vida e não dependerem só da agricultura e da criação de gado para o sustento das famílias. Antes das pedreiras, a vida das pessoas era mais complicada porque tinham poucos recursos para se sustentarem. Os homens precisavam encontrar trabalho nas pedreiras das redondezas e também na quinta de Vale Ventos a trabalhar à jorna. Apesar de as mulheres trabalharem em casa e no campo, algumas também trabalhavam à jorna na quinta, principalmente as raparigas solteiras ajudando assim a família que era quase sempre numerosa. Quando as pessoas iam para o campo levantavam-se com o nascer do sol e só voltavam quando ele se punha no horizonte. Normalmente as mulheres ficavam em casa pela manhã, alimentavam os animais do curral, cuidavam dos filhos e juntavam-se depois aos homens levando o farnel para o almoço ou para a bucha, unindo-se toda a família por vezes em torno de uma fogueira, onde se assava chouriço ou um pouco de toucinho que se comia com pão. Os filhos mais velhos já podiam ajudar com a sementeira, colocando a semente da batata enquanto os adultos cavavam a terra, eles também ajudavam a ceifar e depois a recolher os cereais e a erva para os animais. Isso acontecia logo na tenra idade! Aos dez anos já se era bem forte para ajudar em todas as tarefas do campo, todos os rapazes e raparigas tinham que ajudar. Não havia eletricidade e à noite acendiam-se velas, ou candeeiros a petróleo e faziam-se algumas brincadeiras engraçadas com as sombras que a fraca luz produzia. Certa vez quando Maria era pequena, o pai fez um coelho com as mãos projetando a sombra na parede, ela adorava ver as sombras dos animais que o pai conseguia fazer apenas com as mãos! Todos participavam nas brincadeiras animando assim o serão antes de irem para a cama. Na única taberna que havia as mulheres nem podiam pensar em entrar, eram logo chamadas à razão de uma forma áspera pelas mulheres mais velhas.
“A taberna é só para os homens, se entrares ficas logo mal falada!” Diziam elas às raparigas que diziam que gostavam de ir à taberna. Mas os homens e os rapazes juntavam-se para beber uns copos de vinho e por a conversa em dia. Tinham que falar baixinho e ter cuidado com o que diziam, pois as paredes podiam ter ouvidos e podia aparecer a PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado) e prender alguém por causa da censura!
Não havia telefone na aldeia e as notícias espalhavam-se de boca em boca, se fosse preciso alguma coisa urgente precisavam ir telefonar à freguesia de Alcobertas no único telefone público que havia. Mas as pessoas estavam habituadas a escrever cartas e enviá-las pelo correio, por isso nem fazia falta! Ainda assim precisavam ter cuidado, porque a PIDE podia escutar os telefonemas e também abrir as cartas. Se fosse dito alguma coisa que fosse contra o regime de Salazar também se podia ir preso. Quase nunca se ia ao médico, mas todos conheciam alguns remédios caseiros para tratar algum mal-estar, principalmente as pessoas já com alguma idade. Quando morria alguém era sempre porque ‘Deus assim o quis’ e nem se sabia qual a doença de que se padecia.
Mas tudo isso era alheio às raparigas que naquele dia seguiam alegres e livres como o vento com o burrico para a feira. Elas falavam dos bordados que iam fazer nas toalhas que queriam comprar, falavam dos bonitos tecidos que lá iriam encontrar e das coisas que precisavam juntar para o enxoval. Falavam dos bailaricos e dos rapazes com quem queriam dançar.
“O Manuel vai ao baile e eu acho que ele gosta de ti!” Disse Carminda a Maria.
“Será que ele me vai convidar para dançar?” Perguntou Maria que ficou empolgada só de pensar. A verdade é que eram quase só os rapazes da terra que frequentavam os bailes da aldeia. Mas de vez em quando lá apareciam rapazes de uma aldeia vizinha, que eram mais aventureiros e queriam ver as raparigas das outras terras. Eles atravessavam as serras a pé só para as conhecer!
Ao Domingo iam todos a pé à missa na igreja da freguesia fazendo uma grande algazarra pelo caminho. Por vezes depois da missa os rapazes e as raparigas juntavam-se num canto qualquer na rua e faziam um bailarico que era animado por alguém que tinha ido aprender a tocar concertina, ou simplesmente por algum rapaz a tocar pífaro, sanfona ou até a assobiar. Eles dançavam e riam alegremente e de vez em quando começava um novo namorico. Naquele tempo tinha que se escolher bem, pois quando se começava a namorar quase sempre era para casar e o Manuel já estava de olho na bonita Maria!
Naquele dia a caminho da feira, Maria e Carminda falavam alegremente sobre tudo e nada, pois quando se é jovem são muitos os sonhos e a alegria é muito fácil de encontrar. Eram tantos os sonhos e projetos que faziam, mas elas não sabiam como era dura a vida das mulheres casadas. Tratavam dos animais, cuidavam dos filhos, a roupa à mão precisavam lavar e no campo ainda tinham que ajudar! Coziam o pão no forno com a lenha que precisavam juntar e as refeições na panela ao lume que cozinhar. Ao domingo guisavam um frango que sacrificavam do galinheiro ou então ‘couves de carne’[1], mas era preciso poupar a carne, porque era costume matar-se um porco da criação do curral só uma vez por ano. Salgava-se a carne na salgadeira de pedra e a carne tinha que durar o ano inteiro! Quem tinha vacas ou cabras podia beber leite quando elas pariam, mas isso acontecia apenas nalguns dias do ano; quando não havia leite faziam umas ‘sopas-de-café’ feitas com pão duro para o pequeno-almoço. Não havia mercearia na aldeia, mas ao domingo quando iam à missa aproveitavam para trazer mercearias da loja ‘Pirulita’ ou então do ‘Galucho’ na aldeia dos Sourões. Naquele tempo as famílias tinham um direito estabelecido mensalmente por Salazar às ‘senhas’ para trocar por bens essenciais na mercearia. Apesar da censura e de tudo ser controlado, há quem diga que Salazar não era assim tão mau, porque quando lhe disseram que tinha que enviar homens ou comida para a segunda grande guerra ele escolheu enviar comida para poupar os homens e depois dizia à população: ‘plantem couves, assim ninguém terá fome’. Salazar adquiriu o poder absoluto no chamado ‘Estado Novo’ e como conservador e controlador que era, tudo precisava ser da forma como ele entendia e isso tornava-o um ditador, porque censurava o que na visão dele não era certo e aplicava duras penas a quem não cumprisse as regras criadas por ele. As pessoas precisavam ter cuidado com o que falavam, porque eram censuradas por apenas dizer o que pensavam, a música era censurada, assim como o cinema. A partir de uma certa hora não se podia andar na rua, porque havia o recolher obrigatório. Apesar de Salazar ter poupado os homens na segunda grande guerra, acabou por sacrificá-los na guerra colonial por recusar reconhecer a independência das colónias, quando a maioria dos países europeus que também tinha colónias em África reconheceu a sua independência após a segunda grande guerra.
As raparigas percorreram o caminho em cima do burro à vez, mas às vezes tinham que o aliviar, indo as duas a pé. Passaram por muitas plantas arbustivas de alecrim, por entre pinheiros, subindo os carreiros para depois terem que os descer. Maria partiu um pedaço de alecrim e inspirou profundamente o seu maravilhoso aroma.
“Gosto tanto deste cheirinho, vou pôr este alecrim no bolso para me perfumar.” Elas evitaram os carrascos para não se arranhar e precisaram de ter muito cuidado com as pedras para não cair! No alto da serra avistaram o mar e de onde estavam até viram a ilha da Berlengas!
“Olha Carminda, vê-se tão bem o mar e a ilha das Berlengas hoje, o céu está tão limpinho! Quem me dera um dia vê-lo de perto… e como é bonita esta paisagem!” Disse Maria que sempre gostara de passar naquele lugar para poder ver o mar ao longe.
“Um dia ainda vou lá…” Disse Carminda que acreditava que esse dia ainda iria chegar. Apesar de não ficar longe, elas nunca tinham visto o mar de perto, porque não tinham forma de percorrer a distância sem ser a pé. Os automóveis eram raros na aldeia naquele tempo, apenas quem ia viver para fora é que comprava um automóvel. No entanto os rapazes eram obrigados a ir à tropa e a passar dois ou três anos fora. Eles partiam de autocarro até ao local onde iriam realizar a recruta, só voltando quando já tinham o tempo de tropa feito. Felizmente Portugal não participava numa guerra desde a primeira grande guerra. Apenas mais tarde quando aconteceu a guerra colonial é que muitos rapazes da aldeia de Maria e das aldeias vizinhas foram obrigados a participar.
Contava-se a história de um rapaz da aldeia que tinha ido à primeira grande guerra e que tinha sido mobilizado para França em 1918, onde numa batalha, ele e alguns companheiros foram vítimas de um ataque de gás pelos Alemães. Ele tinha só vinte e dois anos! Esta história foi contada por um companheiro de guerra que sobreviveu e que morava numa aldeia vizinha. Também se falava de raparigas das redondezas que tinham ido trabalhar para as cidades ou vilas como criadas na casa de pessoas ricas e depois ficavam por lá na casa dos patrões. Falava-se também de rapazes que tinham encontrado trabalho como ajudantes nalguma mercearia, mas sempre à espera de uma melhor oportunidade arranjando trabalho nas obras, ou até com alguma sorte e caso tivessem a quarta classe, arranjavam trabalho na Guarda Nacional Republicana, na Carris ou na TAP. Mas na aldeia de Maria as pessoas só conheciam o trabalho na pedreira e no campo. Quando precisavam de alguma coisa tinham que ir a pé ou de burro e sempre limitados pela distância. Entretanto houve um rapaz que aprendeu a tocar concertina e acabou por ficar muito conhecido pela sua habilidade a tocar. Ao ser convidado para animar os bailes das redondezas comprou uma bicicleta para se deslocar com a sua concertina.
Naquele tempo só havia uma maneira de pensar e alguns não podiam ir à escola, mas quem ia, tinha só um livro para estudar. Na aldeia não havia escola todos os anos, porque nem sempre havia professora. A Maria só fez a primeira classe, porque não houve professora no ano seguinte. Depois quando ela já tinha doze anos, veio uma professora, mas ela precisou ajudar os pais no campo, então não pôde ir porque era a mais velha e o irmão ainda era muito novo para ajudar. Ela gostava de ter feito pelo menos a segunda ou a terceira classe para saber ler um pouco melhor, porque com apenas a primeira classe, Maria só conseguia escrever o nome e ler muito devagarinho.
Maria e Carminda caminhavam tão animadas com a conversa que quando foram a ver já estavam a chegar à feira. Estavam lá tantas pessoas e elas quiseram logo ver as bancas de roupas em segunda mão e dos tecidos para fazerem roupas novas. Naquele tempo todas as raparigas sabiam costurar as saias e as blusas para estrear na festa de S. Sebastião que ocorria sempre a meados de janeiro, e todos na aldeia levavam o ano inteiro a sonhar com esses dias. A organização chamava a banda filarmónica de Alvorninha para tocar de porta em porta, e também chamava a música das ‘cortes de Leiria’, que eram bandas muito afamadas para trazerem mais pessoas das redondezas até à festa.
Apesar de tantas bancas para ver, o que elas gostaram mesmo foi de uma loja de louças que viram ali perto da feira. Não havia muitas lojas naquele tempo, então elas não se cansaram de admirar as coisas bonitas que lá se podiam comprar e planeavam já as louças que poderiam comprar para o enxoval. Com tudo o que tinham para ver nem sentiram fome e quase se esqueciam de comer, então foram até ao pinhal para comerem o farnel que traziam de casa. Sentaram-se numas pedras à sombra dum pinheiro com o burrico atado perto delas e comeram pão com chouriço sempre animadas e a falar nos pratos e nas jarras que tinham visto na loja.
“Gostei tanto daqueles pratos pintados com casarões azuis e árvores que estavam lá na loja.” Disse Maria.
“Eu também gostei desses pratos, mas gostei mais dos outros com florzinhas amarelas, azuis e roxas” Respondeu Carminda.
“Depois ainda tenho que ir ver as foices e também tenho que saber o preço dos bezerros." Acrescentou Maria entre uma dentada e outra.
“E eu quero ir ver os tecidos outra vez, tenho que comprar um tecido para fazer uma saia nova” Respondeu Carminda.
Quando acabaram de comer voltaram à feira deixando o burro preso ao pinheiro para andarem mais à vontade. Maria falou com o homem que comprava bezerros, comprou a foice e acompanhou a amiga até às bancas da roupa e dos tecidos. Elas viram todos os tecidos e todas as roupas que apesar de serem usadas parecia que eram novas e escolheram uma blusa quase igual para ficarem parecidas uma com a outra.
“Vão pensar que somos irmãs!” Disseram as duas ao mesmo tempo a rir. Passearam por toda a feira mais uma vez muito animadas e quando se lembraram de olhar para o sol ele já estava muito baixo.
“Olha o sol já se está quase a pôr e ainda temos a serra toda para atravessar!” Disse Maria ao olhar para o sol e lembrando-se do que a mãe lhe havia dito de manhã.
“Meu Deus!… Pois temos Maria, vamos embora agora já!” Disse Carminda apressada.
“E agora… Não vamos conseguir atravessar a serra ainda de dia!” Disse Maria aflita.
“Temos que nos despachar, não podemos perder mais tempo!” Respondeu Carminda decidida. Elas foram buscar o burrico e partiram sem mais demoras. Atravessaram a estrada número um em direção ao carreiro que subia a serra e seguiram apressadas para ver se ainda faziam algum caminho antes de escurecer totalmente.
“Falta ainda tanto tempo para chegar a casa e já é quase de noite, como é que nos fomos distrair tanto assim? E se aparecer alguém pelo caminho que nos faça mal? E se formos atacadas por um animal?” Disse Maria, que naquele momento já estava a imaginar todos os perigos que podiam passar e que não paravam de a atormentar.
“Não vai acontecer nada disso!” Disse Carminda fazendo-se de forte, mas lá no fundo tinha tanto medo como ela. Seguiram as duas apavoradas, mas caladas para não atraírem os perigos que podiam estar escondidos em qualquer lado. A noite ficou serrada e ainda não iam sequer a meio do caminho, apesar de os olhos se estarem a habituar à escuridão, as sombras pareciam monstros prestes a atacá-las a qualquer momento e o vento a assobiar parecia que eram fantasmas que estavam ali escondidos só para as assustar! No meio daquilo tudo ainda tiveram medo de se estar a enganar no caminho, mas seguiram o burrico, pois elas sabiam que ele já conhecia bem o caminho por tantas vezes ali passar. Parecia que nunca mais chegavam a casa, e quando ouviram o piar de um pássaro noturno o coração delas bateu apressadamente com o grande susto que apanharam! Foram assim caladas e alarmadas durante o tempo todo. Mas entretanto, ao longe avistaram a sombra de algumas casas, não havia luz, mas depois de tanto tempo às escuras elas já conseguiam ver muito bem. Então voltaram a falar alegremente aliviadas por estarem a chegar e ficaram ambas com a certeza de que nunca mais se iriam esquecer daquela aventura! Que pensando bem, agora que o perigo estava a passar até acharam graça e riram as duas à gargalhada!
“Nunca mais me vou esquecer deste dia!” Disse Maria à amiga sabendo que podia viver cem anos que nunca mais se iria esquecer da aventura que acabara de viver.
Ao chegarem ao cruzamento onde se tinham encontrado pela manhã, Maria despediu-se de Carminda e seguiu o caminho que a levava até casa levando o burrico com ela, e quando chegou a casa, já a mãe a esperava à porta muito aflita com a hora tardia e até ralhou um pouco com ela, mas ao mesmo tempo estava aliviada por não ter acontecido nada. Então, simplesmente a abraçou a filha e disse:
“Ainda bem que nada de mal te aconteceu minha filha, estava tão preocupada contigo! Só estava à esperava que o pai viesse da taberna para irmos os dois à tua procura!”
“Tivemos tanto medo mãe! E via-se tão mal que pensámos que nos estávamos a enganar… ainda bem que o burrico já conhecia bem o caminho! Você sabia que vimos uma loja nova de louças perto da feira?” Disse Maria contando à mãe todas as novidades do dia maravilhoso que acabara de viver.
“Que bom que gostaste de ir à feira filha… Vá, vem ajudar-me a varrer o chão da casa e diz ao teu irmão que vá para a cama… põe os feijões de molho para amanhã cozer para o almoço do pai que vai às ‘Charradas’ buscar as maçarocas de milho para ‘escamisar’, e tu tens que ir com ele para o ajudar!” E pronto, lá começava a rotina de Maria com tanta coisa que tinha que fazer para ajudar os pais em casa e no campo!
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«Este conto foi inspirado numa história que a minha querida e falecida mãe me contava sempre que lhe pedia para contar como era a vida dela quando era nova. Incluí na história um pouco do estado político em que Portugal se encontrava na época e imaginei também como era viver na minha aldeia naquele tempo. Foi muito pouco o que a minha mãe me contou dessa aventura que viveu com a amiga, então precisei de imaginar o que elas falaram e também o que sentiram. É uma narrativa simples mas com um pouco de como seria viver na minha aldeia de Casais Monizes a meados da década de 50, quando a minha mãe teria os seus quinze ou dezasseis anos. Agradeço ao meu Tio Fernando por me ter dado algumas das informações de como se vivia naquela época. Dedico esta narrativa à minha mãe e a todas as pessoas da minha terra, especialmente à mocidade dos anos cinquenta»
Célia Marques 14/03/2021
[1] Cozido à Portuguesa
Que história tão linda e singela inspirada na vivência e juventude da mãe. Bjs
ResponderEliminarÉ a história que a mãe sempre contava... Com alguma criatividade minha ☺️🙏🙌🙌
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