Missão de guerra nos Balcãs
Missão de Guerra nos Balcãs
Por: Célia Marques
INTRODUÇÃO:
Na península Balcânica onde a Europa se encontra com o Oriente Médio e com a Ásia, numa zona montanhosa e de terreno difícil mas também muito fértil, ficava situada a antiga Jugoslávia que tem uma história bastante complexa. Esta região fez parte do Império Romano e esteve também em grande parte sobre influência do Império Romano Oriental, que veio depois a ser chamado Império Bizantino com o seu Cristianismo ortodoxo. Este império foi derrubado pelos otomanos (Turcos muçulmanos) em 1453 ao conquistarem Constantinopla (atual Istambul) numa invasão aos Balcãs, sendo desta forma que a força Islâmica chegou a esta região.
Conforme a história da Europa se foi desenvolvendo surgiu também na região da península Balcânica da Europa central o império Austro-Húngaro católico e assim a região dos Balcãs dividiu-se em três religiões: O cristianismo católico e ortodoxo e o islamismo sunita. Na primeira guerra mundial tanto o Império Austro-Húngaro como o Império Turco são derrotados e ficaram com os seus territórios divididos e surgiu então um país chamado Jugoslávia que se tornou um estado monárquico completamente artificial, porque foi criado para ser um estado tampão para equilibrar o poder depois da primeira guerra mundial. Era um estado com populações muito diferentes, que não tinham nada a ver umas com as outras e eram inimigas historicamente. Na segunda guerra mundial o nazismo invadiu a Jugoslávia e dividiu o país internamente, essa invasão fez com que alguns grupos apoiassem a presença nazista e outros fossem contra. Para contentar essa divisão a Jugoslávia foi então dividida em seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedónia).
Em 1945, Tito foi proclamado presidente do conselho de ministros e ministro da defesa do novo governo instaurado no país e graças à sua política de não-alinhamento durante a guerra fria e divisão dos poderes entre as repúblicas que formavam a Jugoslávia, ele conseguiu manter a paz porque instituiu um sistema federalista no qual diminuiu a influência dos sérvios e croatas e deu maior representatividade às outras repúblicas. Com a morte de Tito em 1980 o cargo passou a ser rotativo entre as repúblicas e esse sistema mostrou muitas fragilidades porque os velhos ódios entre as diferentes etnias e religiões renasceram. Cada república ocupava o cargo durante dois anos, o que não deixou ninguém satisfeito, e surgiu assim uma crise económica e politica. Os sérvios eram a maioria da população e passavam dez anos a ser governados pelas minorias e só dois anos no governo deles, o mesmo acontecia com as outras repúblicas tornando assim difícil o contentamento.
Em 1991 a Jugoslávia iniciou o processo de separação das repúblicas devido às diferenças multiétnicas, multirreligiosas e multiculturais que existiam em toda a região. Os sérvios tentaram evitar a separação porque ocupavam a própria Sérvia, uma boa parte da Bósnia e também tinham uma presença espalhada na Croácia e nas outras repúblicas. Mas a Croácia, a Eslovénia e a Macedónia pediram a sua independência, sendo apenas a de Macedónia efetuada de forma pacífica. A separação da Croácia e da Eslovénia foi acompanhada por intensos conflitos militares liderados pelo então presidente sérvio Slobodan Milosevic. A separação da Bósnia-Herzegovina em 1992 foi um processo muito complexo e sangrento porque a Bósnia era dividida quase ao meio com uma parcela de sérvios ortodoxos e outra de bósnios muçulmanos. Eles eram todos bósnios porque viviam na Bósnia, mas identificavam-se com a Sérvia, com a Rússia e com a religião ortodoxa. Neste conflito que durou três anos foi necessária a intervenção da ONU (Organização das Nações Unidas). A Sérvia ficou vinculada a Montenegro até 2006.
O Kosovo é uma região autónoma da república Sérvia, onde a maior parte da população é muçulmana de origem albanesa e os sérvios são eslavos ortodoxos e constituem apenas 10% da população. Em 1999 os kosovares revoltaram-se contra a Sérvia e aconteceu tudo de novo devido às diferenças étnicas, religiosas e politicas. Então o Kosovo começou um movimento de independência que foi reprimido pela Sérvia, que começou uma ofensiva étnica de forma muito violenta. A Sérvia não quis perder esse território também e repetiu a violência que usou na guerra contra a Bósnia. Como o Kosovo não tinha tantos recursos militares, houve ali um cenário para um massacre sem precedentes de toda a população do Kosovo, tornou-se necessário a intervenção da OTAN ou NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que foi liderada pelos Estados Unidos, para que a população não fosse completamente massacrada. Contudo os Estados Unidos não apresentaram uma resolução ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) para que a sua intervenção fosse aprovada legalmente. A Rússia e a China rejeitaram o uso da força contra os sérvios e vetaram qualquer resolução nesse processo. Desta forma, a OTAN não obteve o aval da ONU sendo esta intervenção vista como ilegal perante o direito internacional. A ONU é o único órgão internacional que decide quando pode ser usada a intervenção militar, mas não interferiu no conflito. Em 2008 a independência do Kosovo foi declarada sem haver negociações com a Sérvia que não reconheceu a sua independência, o seu direito internacional e a sua soberania. A Rússia também não reconheceu a independência do Kosovo porque é aliada da Sérvia e busca manter as poucas alianças que conseguiu salvar após a União Soviética. O Kosovo é reconhecido como nação independente apenas por 116 dos 193 Estados membros da ONU e manteve relações complicadas com a Sérvia até 2013 quando foram normalizadas mediante o acordo conhecido como: acordo de Bruxelas.
Fontes para o resumo: Wikipédia, Infopédia e Canal do YouTube “História Online”.
Uma Missão Especial Na Bósnia
Em fevereiro de 1993 o comando da missão de apoio à paz no teatro da guerra na Bósnia, reuniu uma Task Force[1] com sete homens que já se conheciam bem de outras missões nos Balcãs. Eram cinco soldados escoceses, um italiano e um português, o soldado Silva protagonista da história que vou contar.
A missão consistia em recolher o máximo de informações possíveis da zona de combate em Sarajevo, tirar fotos e identificar o posto de controlo das tropas sérvias. O grupo seguiu num navio de guerra americano que ficou estacionado ao largo de Montenegro, no mar Adriático. Por volta das duas horas da tarde, os homens saíram num helicóptero até ao monte Maglic na Bósnia que é o ponto mais alto das cordilheiras de Plejsevica, Gremec, Cincar e Radusa que fica na fronteira com a república de Montenegro e a partir dali em dois jipes descaracterizados até à vila de Krupac já perto de Sarajevo, onde deixaram as viaturas e seguiram depois a pé com diferença de distância entre eles para segurança e controlo da missão. Chegaram a Sarajevo através do rio Zeljzsnica, afluente do rio Miljacka que cruza a cidade e teriam que se posicionar num local alto, separando-se em vários pontos da cidade para controlar as operações dos sérvios sem serem vistos e depois avisarem o comando de todas as movimentações realizadas por eles.
Ao segundo dia da operação já tinham conhecimento através de informações de dois elementos das forças britânicas SAS (Special Air Service) que a tropa sérvia fazia disparos na população civil da cidade sem qualquer motivo. Teriam que ficar atentos às movimentações deles desde o ponto de vigia. O plano de retirada já estava traçado antecipadamente com o Centro de Comando, eles combinaram uma hora e um local e depois da operação, partiriam quatro de uma vez e três de outra, juntando-se depois nos pontos de recolha previamente combinados e em locais diferentes.
No terceiro dia, o soldado Silva e os seus companheiros, através dos pontos de mira em que cada um se encontrava, puderam ver aparecer uma coluna militar sérvia com dois soldados graduados à frente num jipe sem capota e dois camiões atrás. Um dos camiões tinha uma arma pesada fixa em cima da cabina e eles viram através da mira das armas os militares sérvios a disparar indiscriminadamente sobre a população civil.
“Os filhos da mãe estão a limpar tudo sem dó nenhum.” Disse o soldado italiano Moretti pelo rádio aos camaradas, que responderam todos prontamente de forma indignada.
“Precisamos pedir autorização ao Centro de Comando para fazermos a retaliação.” Decidiu Brooks, um dos soldados escoceses.
“Eu faço a comunicação” respondeu Moretti, tomando a iniciativa pelos colegas.
“Aqui missão Marte, escuto.”
“Centro de Comando transmita.”
“Missão Marte pede autorização para abrir fogo contra as forças sérvias, mais informo que eles disparam contra a população civil de forma indiscriminada, escuto”
“Centro de Comando nega operação, pois irão denunciar as vossas posições. A vossa missão é apenas de vigia e de forma alguma poderão dar a conhecer ao inimigo a vossa presença no local, escuto”
“Recebido.” Moretti desligou a comunicação com o comando e avisou os camaradas da resposta do Comando. Os sérvios atingiam casas, um supermercado e uma escola. Através da mira da arma, o soldado Silva pôde ver três crianças a fugir da escola pelas traseiras e a dirigirem-se para uma casa que estava completamente destruída pelos tiros de uma metralhadora antiaérea calibre 127mm. Ele viu que as crianças começaram a chorar muito, e pensou que elas pudessem ter visto os familiares mortos no ataque sérvio. Entretanto chegou a hora do soldado Silva abandonar o posto de vigia. Os quatro companheiros do primeiro grupo já se encontravam a um quilómetro do ponto de recolha e ele teria que juntar-se aos outros dois camaradas, o Moretti e o Brooks para se dirigirem também ao ponto de recolha como havia sido combinado. Mas ele pensou nas três crianças que vira junto da casa e decidiu que tinha que as tirar dali antes que fossem atingidas.
“Vou buscar as crianças, elas estão em situação de perigo, não podemos deixá-las ali.” Disse ele aos dois camaradas do grupo dele pelo rádio transmissor.
“Vai com cuidado, nós damos-te proteção!” Respondeu Moretti.
“E ficamos de olho nos filhos da p#ta, vê lá se não és apanhado.” Acrescentou Brooks.
O soldado Silva correu até se proteger atrás da parede de um muro, rastejou em campo aberto e correu depois até às traseiras da escola. Olhou em volta para ver se via os sérvios e daí correu para a casa onde estavam as três crianças agarradas umas às outras a chorar. Uma das crianças era uma rapariga com cerca de dez anos e de cabelos loiros atados num rabo-de-cavalo, ela abraçava dois rapazes que teriam talvez seis e oito anos. O soldado Silva viu que a casa estava toda destruída e que estavam dois cadáveres que ele supôs serem os pais delas. Ele disse em Inglês:
“Eu estou aqui para vos ajudar, não tenham medo! Conseguem entender-me?”
Elas olharam para ele assustadas, mas acenaram a cabeça afirmativamente, compreendendo que ele não lhes faria mal. Levou-as para um canto que lhe pareceu seguro e olhou em volta para ver se via as tropas sérvias por perto. Enquanto isso os companheiros através da mira da arma observavam todas as movimentações dele e do inimigo, informando-o para que se colocasse a salvo com as crianças. Ali perto estavam uns contentores de mercadorias e ele levou-as para lá, olhando em volta para que não fossem surpreendidos.
Subitamente os camaradas comunicaram-lhe, via rádio:
“Temos que partir agora para o ponto de recolha, deixa as crianças num sítio seguro, pois vem um helicóptero buscá-las mais tarde.”
“Não vou deixar três crianças menores sozinhas e sem proteção, vão andando que depois encontro-me com vocês no ponto de recolha.” Ele ficou para trás com elas e pegou no rádio para fazer a comunicação ao comandante.
“Aqui missão Marte fala o Silva”
“Aqui Centro de Comando, transmita”
“Informo que precisei resgatar três crianças da zona de impacto e que fiquei para trás. Vou a pé até com elas até à fronteira de Montenegro em Metaljka e ficarei à espera do ponto de recolha aí, escuto.”
“Onde está com a cabeça Silva? Fique a saber que está a contrariar completamente as ordens diretas e o protocolo militar… mas depois falamos! Passe antes a noite num lugar seguro que eu vou fazer o possível para arranjar um transporte que leve as crianças para o campo de refugiados. Irá receber instruções para o procedimento que deverá realizar, escuto.”
“Recebido e à espera das novas ordens!”
Por volta das dezasseis horas através do rádio transmissor ele recebeu a informação que teria que sair de Sarajevo em direção a sul com as crianças o mais rápido possível. Carregou a sua arma HK405 com um supressor de som para o caso de surgir um encontro inesperado e seguiu a pé com elas de mãos dadas e agarradas a um bolso da perna dele, até encontrar um local seguro para passarem a noite. Ainda era madrugada quando se puseram a caminho para o local que lhe tinha sido ordenado e quando já caminhavam há cerca de duas horas, viram aparecer os primeiros raios do sol num bonito amanhecer que contrastava com o cenário que o Silva vivia com as crianças. Uma aragem vem ao encontro deles no momento em que parece que saem dum buraco no chão e subitamente ouvem um helicóptero que surge á frente deles. Era um CH-47 Chinook que tinha sido enviado pelo comando da companhia do Silva. Ele entrou no helicóptero com as crianças e estava lá uma senhora de uma organização humanitária para as acompanhar. Após deixarem as crianças na companhia dessa senhora em Montenegro o helicóptero partiu levando o Silva ao encontro dos companheiros que já se encontravam no navio.
O soldado Silva sabia que iria sofrer as consequências por ter desobedecido uma ordem direta do comandante, mas ao mesmo tempo estava feliz por ter conseguido resgatar as crianças e sentiu-se com uma sensação de missão cumprida! Se ele não o tivesse feito, elas ficariam sozinhas à mercê da sua própria sorte sem ninguém para as proteger dos atos bárbaros dos militares sérvios que disparavam sem escrúpulos para a população desprotegida e indefesa.
Na Guerra Como Na Vida
Minha Conclusão:
Contar esta história foi um desafio muito grande para mim por várias razões: o meu conhecimento acerca da dissolução da Jugoslávia era muito limitado, o que me obrigou a fazer muitas pesquisas e estudar a história da região. Depois, escrever sobre guerra não é de todo um tema em que me sinto confortável. Os motivos que levam os países a entrarem em guerra, causam-me muito desconforto e tristeza. Mas eu soube desde o início que esta era uma história que merecia ser contada pelo ato heroico que o protagonista realizou. Foram muitas outras missões em que ele participou nos anos em que durou a guerra na Bósnia e depois no Kosovo, mas não lhe seria permitido revelar os detalhes, então eu pedi-lhe para me contar apenas aquilo que pudesse sobre situação de resgate às crianças em Sarajevo. Não pude revelar a sua identidade a pedido do próprio por questões de privacidade e de sigilo da missão a que foi submetido, por isso o nome que usei no relato da história é fictício, assim como o dos camaradas.
Muito ficou ainda por escrever sobre os conflitos que se têm realizado ao longo dos anos e dos séculos na região dos Balcãs, mas não me compete a mim escrever sobre esse assunto, até porque os interessados encontram muitos livros e páginas na internet que falam sobre esse tema. O meu propósito aqui foi simplesmente contar a história de um homem que apesar de estar em missão numa guerra hedionda, como são todas para mim, não deixou de mostrar a sua humanidade.
Gostaria de acrescentar também que apesar de ter escrito um resumo dos últimos conflitos realizados nos Balcãs pela perspetiva histórica que nos tem sido contada oficialmente, tenho também estudado a história do mundo de uma outra perspetiva e posso concluir que as guerras têm sido criadas por elites que não dão a cara e conduzem os acontecimentos em todo o mundo consoante os seus interesses mesquinhos e monstruosos. Ao longo dos séculos têm sido sempre os mesmos a comandar os destinos do mundo! Ainda me pergunto como é que uma minoria consegue esse efeito? Certamente é porque tem muitos seguidores. Não tenho competência para falar sobre isso, mas posso recomendar que vejam os vídeo-aulas da professora Maria Pereda no Youtube, ela é formada em química e doutorada em farmacologia e há mais de vinte anos uma pesquisadora da verdadeira história da humanidade. Ela tem usando vários estudos e fontes para chegar ao seu entendimento dos factos mundiais.
É com alegria e satisfação que termino este relato agradecendo profundamente ao protagonista do evento principal narrado aqui. Espero assim conseguir imortalizar um ato de coragem realizado por um grande soldado numa guerra que nunca foi do povo, mas daqueles que querem o controlo da população e dos recursos do planeta a todo o custo. Os verdadeiros seres humanos nunca compactuarão com a guerra, pois a nossa verdadeira natureza sempre foi o amor e a paz! Quando todos acordarem para esta verdade intrínseca em nós, o mundo entrará finalmente numa paz duradoura.
Célia Marques 01/04/2021
[1] Task Force é um termo que teve origem nos Estados Unidos, duranta a Segunda Guerra Mundial. Foi o nome dado a uma unidade militar temporária criada especificamente para fazer uma missão especial e urgente. O termo é utilizado até hoje para os mais diversos fins.
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